Do fundador ao Diretor de Vendas: como e quando passar esse bastão estratégico
- carlosacandre
- 31 de mar.
- 18 min de leitura

Como fundador de uma startup B2B, você provavelmente começou sendo o primeiro (e principal) vendedor da empresa. Eu sei bem como é: no início, ninguém melhor do que o próprio fundador para vender a visão, entender as dores do cliente e fechar os primeiros contratos. Mas à medida que a startup cresce, surge uma dúvida inevitável: quando é a hora de passar o bastão de vendas para um Diretor de Vendas profissional? E mais: como fazer essa transição de forma eficaz sem prejudicar o ritmo de crescimento?
Vou compartilhar uma visão prática, adquirida em minhas consultorias e na própria estruturação das empresas que dirigi, sobre quando e como um fundador deve migrar o papel de vendas para um Diretor de Vendas, quais fatores considerar nessa decisão, se isso depende do estágio da startup, as consequências de adiar demais a transição, além de boas práticas e erros comuns nesse processo. Este guia é voltado a fundadores de startups B2B em crescimento que estão pensando em dar esse próximo passo importante no time comercial.
O Fundador como Primeiro Vendedor da Startup
É quase um rito de passagem no mundo das startups B2B: o fundador inicia as operações comerciais como o vendedor número 1. Há boas razões para isso: ninguém conhece o produto, o mercado e a proposta de valor melhor do que quem o idealizou. Na fase inicial, “vendas lideradas pelo fundador” (ou founder-led sales) são cruciais para alcançar product-market fit e validar a abordagem comercial. Eu costumo dizer aos fundadores que oriento que vender pessoalmente no começo é insubstituível para entender objeções dos clientes, refinar o pitch e até ajustar o produto conforme o feedback do mercado.
Empresas de sucesso ilustram bem esse ponto. Rock Content, por exemplo, teve um dos cofundadores atuando como líder de vendas nos primeiros anos da empresa
likeaboss.com.br. Essa proximidade direta com os clientes permitiu ajustar a oferta e construir um playbook de vendas sólido antes de pensar em escalar equipe. Slack e Atlassian são casos famosos de empresas globais que postergaram a contratação de times de vendas tradicionais ao início: focaram em produtos fáceis de adotar e modelos de autoatendimento. Slack, por exemplo, começou sem nenhum vendedor externo; os próprios fundadores e times internos impulsionaram as vendas iniciais. Somente quando a empresa começou a entrar em grandes contas corporativas é que montaram um time de vendas robusto, ao cruzar cerca de US$ 50 milhões em ARR (receita anual recorrente)saastr.com. Já Atlassian seguiu um caminho semelhante: por anos adotou um modelo de “no sales” (sem vendas diretas) apoiado em canais de revenda e marketing de produto, crescendo até valer US$5 bilhões antes de trazer executivos de vendas para acelerar ainda mais openviewpartners.com. Esses exemplos ensinam que, no começo, é possível o fundador (e o produto) liderar as vendas até certo ponto – mas chega uma hora em que para “ir além” é preciso adicionar liderança comercial dedicada.
Em resumo, assumir as vendas como fundador nos estágios iniciais é não só natural, como desejável. Isso insere a cultura de vendas na empresa e dá ao líder máximo uma compreensão visceral do processo comercial. No entanto, conforme a startup ganha tração, o fundador começa a se deparar com limitações de tempo, escala e até de habilidade em gerir um time maior de vendedores. É quando surge a necessidade de pensar em contratar um Diretor de Vendas (também chamado de Head de Vendas, VP de Vendas, Diretor Comercial, etc., dependendo da nomenclatura da empresa). A seguir, vamos discutir como identificar o momento certo para essa transição e o que avaliar antes de tomar a decisão.
Sinais de que Está na Hora de um Diretor de Vendas
Quando exatamente um fundador deve considerar passar o comando de vendas adiante? Não existe uma resposta única válida para todas as startups, mas há sinais claros de que o momento de contratar um Diretor de Vendas pode ter chegado. Do ponto de vista prático, costumo orientar os fundadores a ficarem atentos aos seguintes indicadores:
Excesso de demanda vs. Capacidade de atendimento: Se as oportunidades de negócio estão crescendo a ponto de você, fundador, não conseguir mais acompanhar todos os leads e clientes com a mesma atenção, pode ser hora de buscar ajuda. Esse “bom problema” – excesso de leads e reuniões – geralmente indica que há espaço para escalar a operação com um profissional dedicado.
Meta de crescimento agressiva: Startups em fase de escala (por exemplo, após um aporte Série A ou B) normalmente têm metas ambiciosas de vendas. Se você precisa dobrar ou triplicar receita em 1 ano, manter a estrutura informal com o fundador acumulando funções pode não sustentar esse ritmo. Um Diretor de Vendas experiente pode acelerar a execução e coordenar um time para alcançar metas arrojadas.
Tamanho do time de vendas em expansão: Quando a startup ainda tem 1 ou 2 vendedores, muitas vezes o fundador consegue atuar como gerente direto. Mas se o time começou a crescer (3, 5, 8 vendedores...) e você se vê dedicando mais tempo gerenciando pessoas do que conversando com clientes, é sinal de que um gestor comercial dedicado faz falta. Uma regra prática que já observei: ao chegar em torno de 5 vendedores, a falta de um líder focado só em vendas começa a doer. Nesse ponto, ou até antes, é válido considerar alguém para estruturar a equipe, treinar e acompanhar métricas diariamente.
Complexidade da operação e do funil: Conforme o processo de vendas fica mais complexo – múltiplos produtos, diferentes segmentos de clientes, ciclo de venda mais longo, necessidade de coordenação com marketing ou sucesso do cliente –, é recomendável ter um profissional cuja atenção seja 100% voltada ao funil de vendas. Se o fundador está dividindo esse foco com produto, tecnologia, investimento etc., a complexidade comercial pode não estar recebendo a devida estratégia.
Entrada em novos mercados ou segmentos: Se a startup planeja lançar um novo produto ou atacar um novo segmento de clientes (por exemplo, subir do SMB para Enterprise), isso geralmente exige novas abordagens de venda, playbooks e talvez um perfil de vendedor diferente. Um Diretor de Vendas traz experiência para adaptar a estratégia e recrutar pessoas adequadas para esses novos desafios. Fazer essa transição de mercado sem alguém à frente pode ser arriscado ou ineficiente.
Além desses sinais, há também gatilhos “externos”: investidores que questionam sobre a estrutura comercial profissional, concorrentes contratando times de vendas e ganhando terreno, ou mesmo seu instinto de fundador sentindo que está no limite do que consegue tocar sozinho. Se você se identifica com dois ou mais dos pontos acima, é bem provável que o momento de buscar um Diretor de Vendas está próximo ou já chegou.
Depende do estágio da startup?
Uma dúvida comum é se existe um estágio “ideal” (Seed, Série A, Série B, etc.) para se contratar o primeiro líder de vendas. A resposta curta: o estágio é uma referência, mas não deve ser a única bússola. Em geral, vemos startups B2B contratando seu primeiro Head/Diretor de Vendas entre o final do estágio Seed e após a Série A, quando já atingiram alguns milhões em receita anual recorrente ou pelo menos um volume consistente de clientes que justificam um time maior. Mas há variações:
Startups enterprise (ticket alto) podem precisar de liderança de vendas mais cedo, às vezes até antes de Series A, pois vender para clientes grandes desde o início requer networking e processos que um fundador sozinho pode não ter tempo ou expertise para conduzir.
Startups product-led ou self-service (como Slack, Atlassian nos primórdios) podem postergar mais, focando primeiro em alcançar grande adoção do produto antes de inserir um time de vendas tradicional. Ainda assim, mais cedo ou mais tarde, mesmo empresas PLG trazem vendas para acelerar grandes contas – Slack fez isso após solidificar sua base e chegar naquele patamar de ~$50M ARR, Atlassian montou equipe de “advogados do cliente enterprise” alguns anos após o IPO, quando identificou oportunidade em contas complexas.
Portanto, encare o estágio apenas como um contexto: ele normalmente indica o nível de maturidade da startup e os recursos disponíveis (ex: capital para investir em gente). O mais importante são os fatores de prontidão, sobre os quais falarei a seguir. Em suma, contrate um Diretor de Vendas quando houver sinais internos de necessidade e condições para ele ter sucesso, não apenas porque você atingiu um “Series X” ou um número mágico de receita. Cada negócio tem seu timing particular, mas quase todos se beneficiam de planejar essa transição antes de chegar no limite da exaustão do fundador.
Fatores a Considerar Antes da Transição
Decidir trazer um Diretor de Vendas não é simples – é uma das decisões mais importantes nos primeiros anos da startup. Para aumentar as chances de acerto, costumo orientar os fundadores a fazerem um checklist de prontidão antes de iniciar a contratação. Pergunte a si mesmo: minha empresa já possui os alicerces necessários para um Diretor de Vendas prosperar? Avalie os seguintes fatores:
Processo de vendas definido e validado: Antes de passar o bastão, é fundamental que o playbook básico de vendas esteja funcionando. Isso inclui ter identificado quem é seu cliente ideal, qual abordagem de venda funciona (pitch, canal, discurso), qual o ciclo médio e ticket, e ter pelo menos alguns vendedores conseguindo fechar negócios de forma repetível. Se apenas o fundador vende e ninguém mais consegue, talvez ainda não seja hora – você pode precisar treinar 1 ou 2 vendedores e ver sucesso com eles primeiro. Um Diretor de Vendas excelente não faz mágica com produto sem fit ou processo inexistente. Ele vai escalar algo que já esteja minimamente rodando.
Ativos de marketing e geração de leads: Tenha em mente que vendas não atua sozinha – ela precisa de combustível. Não contrate um Diretor de Vendas se você não tem leads suficientes chegando e materiais de apoio prontos. Garanta antes: volume constante de MQLs/SQLs, estudos de caso de clientes satisfeitos, uma boa demo do produto, apresentações institucionais, etc. Esses materiais darão munição para o novo líder e sua equipe. Já vi startups contratarem um head de vendas experiente esperando que ele “traga leads na mala”, mas gerar demanda é função de marketing e estratégia da empresa, não do indivíduo. Faça esse dever de casa primeiro – sai mais barato e aumenta a chance do diretor entregar resultados
Momento estratégico adequado: Planeje a contratação para um momento estratégico favorável. Por exemplo, início de um novo ano fiscal ou logo após um novo round de investimento (quando há caixa e pressão por crescimento), ou na iminência de lançar um produto novo/entrar em mercado novo. Evite inserir um líder de vendas no meio de uma turbulência ou mudança drástica interna; dê a ele um terreno minimamente estável para começar. Claro que startup sempre tem caos, mas se puder escolher o timing, que seja num ponto em que ele possa surfar uma onda de crescimento, não apagar incêndios do dia zero.
Time de vendas minimamente estruturado: Como citado, é desejável já ter alguns vendedores “rampados” na casa – ou seja, profissionais que já aprenderam a vender seu produto, mesmo que sejam juniores ou de nível pleno. Esses vendedores iniciais (contratados e treinados pelo fundador) servirão de base para o Diretor de Vendas liderar e multiplicar. Se você ainda não tem nenhum vendedor na equipe com desempenho sólido, talvez seja prudente contratar um ou dois Account Executives antes e você mesmo estruturar o básico. Assim, quando o Diretor chegar, não começa do zero absoluto – ele já encontra gente para liderar e exemplos do que funciona ou não. Em suma, traga o diretor para acelerar um carro que já está andando, não para empurrar um carro parado ladeira acima.
Recursos financeiros para crescer a equipe: Um erro comum é contratar o Diretor de Vendas e pensar que a despesa acaba nele. Na verdade, se tudo der certo, ele vai logo solicitar mais contratações de vendedores, pré-vendas, etc. para bater metas maiores. Você está preparado para isso? Tenha budget reservado para aumentar o time comercial nos meses seguintes à chegada do líder. Vendedores custam caro e demoram alguns meses para gerar resultados líquidos (CAC payback). Portanto, assegure que há caixa ou investimento para bancar novas contratações e ramp-up sem sufocar a empresa. Contratar um super diretor sem poder dar a ele recursos para montar o time é receita para frustração mútua.
Cultura e mindset alinhados: Por fim, considere o perfil de líder de vendas que se encaixa na cultura da startup. Startups em crescimento exigem um diretor mão na massa, adaptável e orientado a longo prazo. Se sua cultura valoriza humildade, aprendizado contínuo e experimentação, busque alguém com esses traços. Evite perfis muito engessados ou acostumados apenas com estruturas de empresa grande – eles podem não se adaptar bem ao ritmo de uma startup. Aqui entra a preparação interna: deixe claro internamente o porquê da contratação (para o time não ver como “o chefe chegando de fora”) e prepare o terreno para recebê-lo como alguém que vem para somar e amplificar o que já está dando certo.
Fazendo esse checklist, você aumenta muito as chances de contratar na hora certa e escolher a pessoa certa. Se alguns desses pontos ainda não estão resolvidos, pode ser sinal de que é cedo demais – ou de que você precisa arrumar a casa antes de trazer alguém de fora. Lembre-se: um bom Diretor de Vendas multiplica o que existe; ele não cria do nada. Tenha os pilares montados, ainda que de forma inicial, para que o profissional possa de fato acelerar o crescimento.
Consequências de Adiar Demais a Transição
Agora, suponhamos que você já passou do ponto ideal e continua acumulando o papel de head de vendas. Quais os riscos de postergar em excesso a contratação de um Diretor de Vendas? Existem consequências importantes que tenho observado em startups que demoram demais para fazer essa transição:
Estagnação do crescimento: O fundador, mesmo sendo um excelente vendedor, acaba esbarrando no limite de suas horas e energia. Chega um ponto em que simplesmente não há mais reuniões que caibam na agenda, propostas começam a atrasar, follow-ups ficam pelo caminho. As vendas podem até se manter, mas deixam de crescer no ritmo que poderiam com uma equipe mais estruturada. A startup perde janela de oportunidade no mercado por não escalar quando havia demanda reprimida.
Perda de vendas por falta de follow-up e processo: Sem um líder dedicado cobrando o time e refinando o funil, é comum o processo comercial ficar desorganizado conforme cresce. Negócios quentes podem esfriar por falta de acompanhamento diligente, leads se perdem sem resposta rápida, e a equipe (ou os poucos vendedores) ficam sem direcionamento claro. O resultado é dinheiro na mesa não capturado. Muitas vezes, quando o fundador percebe, a concorrência já avançou em clientes que ele não teve tempo de nutrir.
Burnout do fundador e foco disperso: Tocar vendas, produto, operação e ainda estratégia corporativa cobra um preço pessoal. Conheço diversos fundadores que entraram em esgotamento físico e mental por tentar segurar todas as pontas por muito tempo. Isso é perigoso não só para a saúde do fundador, mas para a empresa – um líder exausto toma piores decisões. Além disso, enquanto você está imerso no dia a dia de vendas, outras áreas críticas podem ficar negligenciadas (produto estagnado, gestão de equipe deficiente, etc.). Ou seja, a empresa toda sofre quando o fundador vira gargalo em vendas.
Dificuldade em subir o tíquete médio: Sem um executivo de vendas experiente, pode ser desafiador dar o salto para vendas mais complexas ou de maior valor. O fundador pode ter sucesso vendendo contratos menores, mas talvez não tenha tempo de elaborar estratégias para abordar clientes enterprise, por exemplo. Já vi startups onde o fundador era ótimo vendendo para PMEs, mas perdiam oportunidades em grandes empresas porque isso demandaria um foco especial e relacionamento que ele não podia assumir sozinho. Um Diretor de Vendas poderia preencher essa lacuna, então adiar sua chegada significa continuar limitado a certos nichos ou tamanhos de cliente.
Desvalorização perante investidores: Em rodadas de investimento mais avançadas, os VCs esperam ver uma organização de vendas escalável. Se um potencial investidor percebe que não há liderança comercial e que o fundador ainda está sobrecarregado nas vendas, isso pode gerar dúvidas sobre a capacidade de escalar. Pode parecer que a startup ainda está “imatura” em termos de estrutura, o que pode afetar valuation ou até a decisão de investir. Claro, cada caso é um caso, mas não raro investidores perguntam: "Quem toca vendas hoje? Você planeja contratar alguém? Quando?" Ter que responder que a empresa depende exclusivamente do fundador para bater metas acende um sinal amarelo.
Em resumo, segurar demais a transição pode custar caro – em receita que deixa de crescer, em oportunidades perdidas e em desgaste do time/fundador. Costumo alertar: "se você (fundador) é o melhor vendedor da empresa, ótimo – mas se você é o único vendedor da empresa quando ela já poderia ter 5 ou 10, aí temos um problema." A boa notícia é que, diferente de algumas decisões irreversíveis, você pode corrigir essa rota planejando e contratando a liderança certa. O importante é não deixar o problema se prolongar a ponto de causar danos sérios ao negócio.
Boas Práticas para uma Transição Bem-Sucedida
Ao decidir finalmente trazer um Diretor de Vendas e migrar essa responsabilidade, como realizar a transição de maneira suave e eficaz? Seguem boas práticas que aprendi ao trabalhar com startups fazendo exatamente essa mudança:
Envolva-se no processo de contratação (mas tenha mente aberta): Como fundador, você deve liderar a escolha do Diretor de Vendas, afinal será um cargo-chave que vai trabalhar lado a lado com você. Participe ativamente das entrevistas, avalie cases e garanta alinhamento de visão. Porém, esteja aberto a perfis complementares ao seu – um erro é buscar alguém igual a você. Na verdade, você quer alguém que traga habilidades que você não tem, seja em gestão de equipe, metodologias de vendas, conhecimento de determinado mercado, etc. Procure experiência relevante, mas também fit cultural e paixão pelo desafio de construir (e não apenas herdar times prontos).
Planeje a contratação com antecedência: Não espere “a bomba estourar” para começar a buscar o profissional. É comum levar 4 a 6 meses para recrutar um bom Diretor de Vendas (desde abrir a vaga, fazer networking, entrevistas, propostas e aviso prévio). Portanto, inicie o processo seletivo antes de estar desesperado. Uma dica é ativar sua rede de contatos cedo – conversar com outros fundadores, investidores e mentores para indicações de nomes, ou até considerar um interim (diretor interino ou consultor) caso precise ganhar tempo até achar o definitivo. O importante é ter uma pipeline de candidatos antes de a necessidade ficar crítica.
Defina expectativas claras e compartilhadas: Quando o novo Diretor de Vendas chegar, alinhe desde o início quais são as métricas de sucesso esperadas, prazos e recursos disponíveis. Por exemplo: “expandir de X para Y em ARR em 12 meses”, “montar um time de N vendedores em 6 meses”, “melhorar conversão do funil em X%”, etc. Seja transparente sobre onde a empresa está hoje (funil, previsibilidade, lacunas) e o que espera que ele construa. Isso evita desentendimentos e ajuda o profissional a traçar um plano. Lembre-se de discutir também até onde vai a autonomia dele para decisões (contratações, mudanças de processo, negociação de deals maiores) – diretores de vendas tendem a ser pessoas de ação, então combinar nível de autonomia e comunicação com o fundador é saudável.
Transfira conhecimento gradualmente: Não caia na armadilha de “larguei tudo na mão dele e saí correndo”. Nos primeiros meses, trabalhe lado a lado com o Diretor de Vendas. Passe para ele todo o conhecimento que você acumulou sobre vender o produto: quais estratégias deram certo ou errado, contexto dos principais clientes, peculiaridades do mercado, etc. Abra portas: apresente-o aos clientes-chave, participe de algumas reuniões importantes junto com ele (no início) para mostrar confiança às contas estratégicas. Essa passagem de bastão gradual aumenta a chance de ele decolar mais rápido. Aos poucos, você vai se afastando das minúcias diárias, mas mantenha um canal aberto para dúvidas e consultas. A transição não ocorre do dia para a noite; pense em um período de onboarding onde você, como fundador, ainda estará bastante envolvido no comercial, porém já em modo de mentoria, não mais na linha de frente de todas as negociações.
Recalibre seu papel como fundador: Ao delegar vendas, muitos fundadores relatam se sentir “estranhos” no início – afinal, era uma função onde estavam confortáveis. É importante redirecionar seu foco para onde você é mais necessário na nova fase. Isso pode ser produto/tecnologia, estratégia de crescimento, fundraising, parcerias estratégicas, etc. Mas atenção: fundador nunca sai 100% de vendas. Eu costumo enfatizar isso – você se torna um “guardião da receita” em sentido mais amplo. Ou seja, mesmo com Diretor de Vendas tocando o dia a dia, continue de olho nos indicadores-chave, participe de decisões de preços, esteja presente em negociações críticas ou na conquista daqueles 2-3 clientes mega estratégicos por ano onde sua participação pode fazer diferença (pela autoridade ou relacionamento). O fundador deve sim evoluir de vendedor operacional para líder estratégico de vendas, atuando em conjunto com o novo diretor.
Dê suporte e evite microgerenciar: Confie no especialista que você contratou. Após o período inicial de ajuste, dê espaço para o Diretor de Vendas liderar do jeito dele. Ofereça recursos, seja um facilitador para remover obstáculos (se ele sinalizar, por exemplo, falta de ferramentas, lentidão de outras áreas, etc.), mas evite minar a autonomia microgerenciando cada ação. Se você escolheu bem, esse profissional trará novas ideias – teste-as. Talvez ele reestruture o funil, mude território de vendedores, ajuste pricing para aumentar ticket médio. Esteja aberto a essas evoluções. Seu papel é cobrar resultados e valores, não ditar exatamente como ele conduz o time. Um fundador que contrata um líder de vendas mas não larga o osso acaba desmotivando o profissional e perde a chance de se desafogar de verdade.
Seguindo essas práticas, a transição tende a ser muito mais tranquila. O objetivo final é que, após alguns meses, você se sinta confortável em saber que o motor de vendas está rodando bem sem sua intervenção direta diária. Isso libera sua agenda para outras frentes e ao mesmo tempo potencializa o crescimento, pois agora há um líder dedicado acordando e dormindo pensando em vendas, o que antes não era possível devido às múltiplas funções que você acumulava.
Erros Comuns a Evitar
Mesmo sabendo o que fazer, é útil ter clareza sobre o que NÃO fazer nesse processo. Listo aqui alguns erros comuns que já vi fundadores cometerem ao migrar o papel de vendas para um Diretor de Vendas, para que você possa evitá-los:
Esperar um “salvador da pátria”: Achar que a simples chegada de um Diretor de Vendas resolverá todos os problemas automaticamente. Lembre-se: ele não é um mágico. Se produto, preço ou mercado estão desalinhados, ou se não há leads suficientes, um novo líder não vai consertar isso sozinho. Contrate com bases sólidas (como discutido nos fatores a considerar) e dê respaldo para ele atuar. Não projete expectativas irreais de que o negócio vai multiplicar em meses sem que a organização como um todo esteja preparada.
Contratar cedo demais ou sem necessidade real: O oposto também acontece – trazer um Diretor de Vendas prematuramente, quando o fundador ainda poderia conduzir a área por mais um tempo ou quando a empresa não possui estrutura para suportá-lo. Isso geralmente resulta em um executivo caro sem muito o que fazer, frustrado por não conseguir desempenho (afinal, era cedo demais para escalar). O timing é tudo: nem antes da hora, nem muito depois. Contrate quando houver sinais claros de tração e sobrecarga, não só porque “ouvi dizer que empresa X contratou um head de vendas no Stage Y”.
Escolher o perfil errado: Um erro crítico é trazer alguém fora do perfil para o momento da sua startup. Por exemplo, um diretor vindo de uma multinacional gigante, acostumado a orçamentos milionários e equipes enormes, talvez não se adapte à realidade hands-on e de recursos escassos de uma startup em início de escala. Priorize experiência em contexto similar: se você é SaaS de ticket baixo, alguém que construiu operação de vendas em SaaS parecido; se vende enterprise, alguém com histórico de fechar grandes contratos em startup. Culturalmente, evite também “superstars intocáveis” – você quer um líder-trabalhador, não só um estrategista de gabinete.
Não alinhar papéis e continuar centralizando tudo: Às vezes o fundador contrata o Diretor de Vendas mas não solta as rédeas de verdade – continua querendo aprovar cada negociação, decide contratação ou demissão de vendedor sem ouvir o diretor, atropela a cadeia de comando. Isso confunde o time e esvazia a autoridade do novo líder. É preciso confiar e delegar de fato. Se você minar o diretor, as pessoas do time não saberão a quem responder e a iniciativa do líder é sufocada. Então, evite ser um “chefe sombra”. Alinhe no começo quem decide o quê, comunique ao time que agora existe um head para assuntos de vendas, e dê respaldo público às decisões dele (mesmo que nos bastidores vocês ajustem detalhes).
Deixar o fundador 100% alheio às vendas após a transição: Outro erro é o fundador achar que agora pode “pendurar as chuteiras” e nunca mais falar com um cliente. Como frisei, fundador continua sendo peça importante em vendas, porém em outro papel. Se você desaparecer completamente da frente comercial, pode perder o contato com o mercado, não perceber mudanças de tendência ou falhas no pitch como antes. Além disso, vendedores e até clientes gostam de sentir que o fundador ainda está acessível quando necessário – isso passa confiança. Então, delegue mas permaneça presente estrategicamente: participe de QBRs (reuniões trimestrais) do time de vendas, ligue para um cliente grande ocasionalmente para ouvir feedback, siga monitorando KPIs-chave junto com o Diretor de Vendas. Transição não é abdicação total.
Negligenciar os demais times na mudança: A chegada de um Diretor de Vendas pode impactar outras áreas – marketing, CS (Customer Success), produto. Um erro é não comunicar e alinhar com esses departamentos sobre a mudança. O ideal é integrar o novo líder rapidamente com os heads dessas áreas, pois vendas interage com todas. Se não houver alinhamento, há risco de atritos (ex: marketing e vendas desalinhados sobre definição de lead qualificado, CS não sabendo como será o handoff do cliente vendido pelo novo time, etc.). Evite isso promovendo integração interdepartamental desde o início da transição.
Ao estar ciente desses erros comuns, você já sai na frente e pode preparar melhor a organização para absorver o novo líder. Grande parte do sucesso na contratação de um Diretor de Vendas está em como a empresa o recebe e o empodera para trabalhar, não só na pessoa em si. Tenha isso em mente para não sabotar a transição por descuido ou ansiedade.
Conclusão
Passar o chapéu de “chefe de vendas” do fundador para um Diretor de Vendas é um marco importante na jornada de uma startup. É um passo que simboliza amadurecimento e vontade de escalar o negócio além da capacidade individual do fundador. Não existe fórmula mágica ou momento igual para todos – cada startup deve avaliar seus sinais internos e contexto de mercado para decidir quando e como fazer essa transição. Como vimos, o fundador precisa equilibrar dois riscos: segurar demais (e virar gargalo) ou soltar cedo demais (sem a base necessária). Com análise cuidadosa e planejamento, dá para encontrar o timing ideal e executar a mudança de forma estruturada.
Falo por experiência própria que quando bem feita, essa transição libera um potencial enorme de crescimento. Já vi startups destravarem vendas reprimidas e ganharem velocidade impressionante após colocar um líder focado à frente da área comercial. O fundador, por sua vez, consegue se dedicar a outras funções estratégicas sabendo que o pipeline de vendas está em boas mãos. É uma situação onde todos ganham: o negócio fatura mais, o time de vendas tem liderança e direção, e o fundador sai do “olho do furacão” das operações diárias para pensar no próximo capítulo da empresa.
Se você é um fundador em dúvida sobre dar ou não esse passo, meu conselho sincero é: prepare-se e dê o passo quando sentir que há indícios consistentes de necessidade. Use os critérios e práticas que compartilhei como guia. E lembre-se: contratar um Diretor de Vendas não é sinal de que você “falhou” em liderar vendas – é sinal de que sua startup evoluiu a ponto de precisar de especialistas. Saber construir um time forte ao seu redor é uma das maiores virtudes de um líder.
Na Alavanka, temos ajudado muitos fundadores exatamente nessa encruzilhada, e posso afirmar: tomar essa decisão de forma consciente e planejada é um dos melhores investimentos que você fará para escalar sua startup B2B. Boa sorte na jornada de passar o bastão e conte com a experiência de quem já percorreu esse caminho para ajudar no que for preciso!
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